"O conflito entre ética e sexualidade, em nossos dias, não é uma
mera colisão entre instintividade e moral, mas uma luta para justificar a
presença de um instinto em nossas vidas e para reconhecer neste instinto um
poder que procura sua expressão, e com o qual, manifestamente, não se pode brincar
e que, por isso, também não quer se submeter às nossas bem-intencionadas leis.
A sexualidade não é mera instintividade; é um poder indiscutivelmente criador
que é não somente a causa fundamental de nossa existência individual, como um
fator em nossa vida psíquica, a ser levado com muita seriedade. Hoje
conhecemos, suficientemente, as graves conseqüências que as perturbações da
sexualidade podem trazer. Poderíamos chamar a sexualidade de porta-voz dos
instintos, e é por isto que o ponto de vista espiritual vê nela a sua principal
antagonista, não, certamente, porque a tolerância sexual seja em si mesma mais
imoral do que o excesso no comer e no beber, do que a avareza, a tirania e o
esbanjamento, mas porque o espírito pressente na sexualidade uma contraparte de
igual peso e mesmo afim a ele. De fato, do mesmo modo que o espírito gostaria de
submeter a sexualidade, como todos os outros instintos, a seus próprios
esquemas, assim também a sexualidade alimenta uma antiga pretensão sobre o
espírito que ela, outrora – na procriação, na gravidez, no nascimento e na
infância – trazia consigo e cuja paixão o espírito jamais poderá dispensar em
suas criações. Que seria, afinal, o espírito, se existisse um instinto de igual
peso a lhe contrapor? Seria apenas uma forma vazia. Uma consideração racional dos
outros instintos se tornou uma necessidade axiomática para nós; mas com a sexualidade
é diferente. Para nós, a sexualidade ainda é problemática. Neste ponto ainda não
atingimos aquele grau de consciência que nos capacitaria a fazer plena justiça ao
instinto sem danos morais sensíveis..."
- C.G. Jung, A Energia Psíquica (OC 8/1), § 107.